Mestre do disfarce


Algumas pessoas se tornam especialistas em um assunto. O senhor Thomas era uma delas, no caso, um mestre do disfarce. Tanto que nem o nome Thomas era real, mas um nome que ajudou a compor um disfarce e ele adotou a partir de então.

Quando criança, adorava usar fantasias como se fossem roupas do dia a dia. Deu muito trabalho convencer o pequeno senhor Thomas a usar o uniforme escolar. Ele se contentou em usar suas máscaras favoritas ao ir para a escola. Mas isso é muito comum entre as crianças, não é? Seus pais nunca imaginaram que aquele se tornaria um modo de vida.

Os anos passaram e ao invés de mudar de comportamento, o senhor Thomas aprimorava suas habilidades. Podia ser quem quisesse ou o que quisesse. Sua maior crise da adolescência não foi uma rejeição amorosa, mas ser descoberto em um disfarce de chinês. Estava em um bairro típico da colônia chinesa e seu sotaque o entregou. A partir daquele dia, ele se trancou no seu quarto e estudou mandarim incessantemente.

Sua dedicação e talento não tinham limites. Seus pais tinham certeza de que seguiria a carreira artística, e se surpreenderam muito quando o senhor Thomas ingressou na faculdade de Direito. Houve até um certo alívio, porque pais adoram profissões tradicionais vistas como os portos seguros financeiros para as próximas gerações. Apesar disso, também houve um receio de que sua escolha fosse um esforço para agradar outros que não ele mesmo, o que poderia o levar a uma vida infeliz. Afinal, dinheiro não é tudo. Logo, tudo se explicaria.

Na faculdade, o senhor Thomas foi brilhante. Seu conhecimento, muitas vezes sendo facilmente confundido com o de um professor. Inclusive, porque em certos momentos era exatamente esse o disfarce que ele usava.

Por causa do seu excelente desempenho acadêmico, as carreiras mais promissoras do direito pareciam se abrir cada vez para o senhor Thomas. Será que a habilidade em se disfarçar era apenas um hobby levado muito a sério e seria assim para sempre? Ainda assim, ele não mostrava sinais de que procurava algum estágio. Continuava com seus trabalhos temporários em bares, lanchonetes e outros lugares, alguns conhecidos por serem muito perigosos.

O estudante genial ficou tão conhecido em sua área que os estágios começaram a procurar por ele. Grandes escritórios de advocacia, empresas multinacionais, startups hiper tecnológicas, governos dos mais diversos tipos. Mas ele não estava interessado em nada disso, e recusou cada um dos convites com um sorriso. Tinha outra coisa em mente.

Esperou se formar para iniciar seu projeto. Era um plano em tempo integral e seria impossível conciliar com as responsabilidades da vida acadêmica, mesmo ele achando bem mais fácil do que todos falavam antes de chegar à faculdade. Então, para a surpresa de muitos, um dia abriu seu escritório como detetive particular.

A união do seu conhecimento da legislação, sua capacidade analítica e sua habilidade para disfarces era a combinação perfeita. No seu primeiro caso, o incêndio de um museu que suspeitavam ser criminoso, conseguiu facilmente prender os culpados ao se disfarçar de comprador de artefatos clandestinos.

Descobriu que funcionários do próprio museu estavam desviando itens históricos e, quando foi marcada uma auditoria do acervo, alguém acidentalmente acendeu o cigarro em um rastro de gasolina espalhado por todo o lugar.

Após a repercussão da sua façanha, milhares de caso começaram a lotar sua caixa de e-mail. Ele não queria tanto sucesso assim. Quando começava a organizar os casos e responder seus clientes, já chegavam mais e mais pedidos. Desse jeito, era impossível de trabalhar.

Assim, ele adotou o nome “senhor Thomas”, mudou seu rosto completamente e alugou um novo escritório do outro lado da cidade, em um lugar muito afastado. Decidiu que iria pegar apenas casos com menos visibilidade e o trabalho seria como ele sempre quis.

O senhor Thomas estava enganado. Depois de alguns meses, pensou um pouco sobre o seu trabalho naquela região. Tinha se disfarçado de árvore para pegar um ladrão de galinhas que, no final das contas, era uma raposa. Tinha se vestido como carteiro, entregador de pizza e músico de rua para encontrar provas de traição do mesmo marido em diferentes semanas. A sua cliente sempre o perdoava, depois voltava a desconfiar da traição em um ciclo sem fim.

O preço de viver longe dos holofotes era esse, conviver com a eterna mediocridade humana. Talvez, os holofotes não fossem tão ruins assim. Pelo menos, existiam momentos ilusórios de grandeza. Ele precisava de um novo nome, uma nova aparência e um novo escritório, na região central da cidade.

Agora, era conhecido como senhor Robinson. Decidiu se especializar em crimes que pareciam impossíveis até mesmo para as mais renomadas autoridades. E, conseguiu mais uma vez grandes resultados e fama extraordinária. Um dos casos mais curiosos foi o o do serial killer duplo.

Não, ele não matou apenas duas pessoas. Mas após o trabalho árduo de um detetive, em que ele se disfarçou até mesmo de cachorro de rua, descobriu que se tratavam de gêmeos que viviam a vida de uma única pessoa e, se aproveitavam da suas semelhança para sempre terem o álibi perfeito. O caso estava aberto há mais de uma década.

Com o sucesso, claro que voltaram os holofotes e o ritmo alucinante. Mas o senhor Robinson não se abalou. Sabia o que fazer. Sempre que o trabalho fugia do seu controle, ele mudava de nome, aparência e escritório. Já foi senhor Anderson, Adam, William, Victor, Eric, Henry, Marco, senhora Rose entre muitas outras identidades.

De repente, uma geração inteira de detetives extraordinários parecia surgir. O que não durou muito porque a obsessão pelos disfarces foi ficando cada vez maior e, o senhor que cada vez tinha um diferente nome começou a ter cada vez uma diferente profissão. Vendedor, eletricista, dentista, palhaço, farmacêutico, vigia, taxista, taxidermista, engenheiro, porteiro, secretária, relojoeiro, tenista, acrobata, músico de rua, astronauta... Ele poderia ser quem quiser até o ponto em que realmente esqueceu quem era antes de tudo aquilo começar.

Hoje, podemos ser precisos ao dizer que ele ou ela está por aí em algum lugar, fazendo alguma coisa. Sua família não sabe mais como o encontrar, porque pode atender por qualquer nome e ter qualquer aparência. Já pensaram até em contratar um detetive particular, mas um caso tão difícil precisaria de alguém especialmente talentoso. Alguém como o mestre do disfarce.

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