Crise fashionista
Um estilista aclamado como Cardie deveria ser diferente. Afinal, ele sabia que a criatividade fluía naturalmente em sua mente. Algumas pessoas inspiram e expiram. Ele, inspirava e inspirava, continuamente. Estava em sua essência.
Como alguém poderia chegar naquele ponto? Cardie sempre achou que seus colegas estilistas de vez em quando davam desculpas para não fazerem um bom trabalho ou até mesmo, não fazerem trabalho nenhum. Agora, ele se encontrava na mesma situação. Seu conselho para ocasiões assim sempre foi: trabalhe e trabalhe, e se der errado, trabalhe até dar certo. Ultimamente, estava demorando muito para dar certo.
Talvez, realmente precisasse de uma pausa. Sempre que tirava férias, ia para lugares como Paris ou Milão, que também eram frequentemente seus locais de trabalho. Ou então, ia para vilarejo longínquos, não para relaxar, mas para se inspirar ao ter acesso a uma cultura diferente e que pouca gente conhecia. Abominava o plágio das vestimentas de um povo. Simplesmente, gostava de ter cada vez mais inspirações, porque uma hora elas poderiam ser úteis.
Cardie considerava-se um grande estudioso e seu cérebro, um liquidificador de referências. Como transformar culturas e pensamentos distantes em trajes ideais para uma ocasião específica? Esse equilíbrio perfeito a partir de junções aparentemente imperfeitas movia o seu trabalho desde o início. Ele queria levar a moda conceitual para o dia a dia das pessoas. Essa era a sua marca até pouco tempo.
Nos últimos meses, sua marca tinha sido a ausência, um grande vazio. Se as pessoas dependessem exclusivamente dele para se vestir, voltariam a uma época primitiva em que não vestiam absolutamente nada. É, aquela talvez fosse a solução para o seu desespero. Ele poderia replicar a história da roupa que apenas os inteligentes veem. Aquilo com certeza o traria de volta aos holofotes, mas provavelmente não terminaria bem.
É, dessa vez, seu liquidificador de referências não estava funcionando. Não sabia se o problema estava no motor ou na falta de ingredientes. De qualquer forma, parecia que já tinha pensado em tudo ao longo da sua carreira.
O jeito talvez fosse apelar para o ciclo da moda. Todo mundo sabe que o que é tendência uma hora vai virar brega e o que é brega uma hora vai virar tendência. Quem sabe usar o truque do mix de épocas não seria o suficiente ou pelo menos, um bom começo?
Assim, Cardie andando pela rua quis entrar em uma loja que ele nunca tinha visto. Era um lugar enorme, daqueles que se vende absolutamente tudo: utensílios domésticos, materiais de decoração, brinquedos e, claro, roupas. Ali, com certeza poderia ser uma boa fonte de inspiração.
Ele passou por um corredor com roupas dos anos 50. Com alguns toques, aquela velha elegância se transformaria em uma nova elegância. Parecia realmente promissor. Mas promissor não era suficiente para um estilista como Cardie. Para ele, o resultado deveria ser revolucionário. Faltava alguma coisa.
Depois de muito procurar, finalmente ele encontrou um chapéu magnífico, feito de um material resistente e curioso. Um design totalmente sofisticado que contrastava e ao mesmo tempo modernizava a sua visão dos nos anos 50 repaginados. Era exatamente o que ele precisava, a base da sua próxima coleção.
Após algumas semanas de trabalho, Cardie lançou seu editorial de moda. E o resultado, não poderia ser melhor. Muitos diziam que aquela era a sua melhor obra. Todos aqueles meses de angústia pareciam finalmente valer a pena. Agora, tudo o que faltava era descobrir mais sobre o chapéu para a sua grife produzir em escala. Pela repercussão da sua coleção, com certeza iria precisar produzir muitos.
Logo, Cardie estava de volta na loja e foi perguntar sobre o incrível chapéu. Intrigado, o dono da loja disse que não se lembrava de ter nenhum chapéu entre seus itens de venda. O estilista então, encontrou o chapéu e o mostrou ao senhor que ficou constrangido e disse que na verdade, tratava-se de uma vasilha para pipoca, amendoins ou qualquer tipo de finger foods. Muito mais constrangido, ficou Cardie.
Como ele poderia falar ao mundo que confundiu uma vasilha com um chapéu? Seria ridicularizado eternamente, uma piada fashionista. Mas não tinha jeito, era melhor que as pessoas soubessem por ele do que de outra forma.
Cardie sabia exatamente o que fazer e preparou um novo editorial de moda, que fez ainda mais sucesso do que o anterior. Foi aclamado como um visionário, o reinventor do mundo da moda, alguém que ia além das referências comuns. Porque ele criou uma continuação da sua coleção, dessa vez, usando um sofisticado penico como chapéu.
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