O resgate



Era um animado cruzeiro transatlântico. No auge do verão, estava cheio de turistas se divertindo nos mares caribenhos. O dia estava perfeito como sempre era naquele lugar, especialmente naquela época do ano. Nada poderia dar errado.


O capitão estava empolgado em sua primeira viagem com um navio turístico. Todos aqueles anos de trabalho na guarda costeira ficaram para trás. Ele não precisava mais patrulhar, perseguir piratas ou correr riscos. Bastava garantir a segurança e a diversão das pessoas.


Ah, como amava aquele sol e aquelas águas. E agora, principalmente, amava a leveza das suas novas obrigações. Via crianças correndo de um lado para outro, famílias curtindo o dia, casais apaixonados e solteiros embriagados.


Havia se passado uma semana e o incidente mais grave foi ter faltado lagosta no restaurante. Tudo bem, eles estavam no lugar mais fácil do mundo para resolver essa questão. Em pouco tempo, foi contatado um barco pesqueiro da região que rapidamente abasteceu o gigantesco transatlântico.


Tudo parecia correr bem. Até que um belo dia, o capitão recorrendo aos velhos hábitos de vigilância começou a ver como estavam as coisas à sua volta. Sua poderosa luneta captou um movimento em uma ilha longínqua. Curioso.


Uma olhada com mais atenção na direção da pequena ilha mostrou que ali tinha um homem com roupas esfarrapadas, barba e cabelos compridos. Estranho, não lembrava de nenhum comunicado de acidente. Se bem que, pelo aparente estado, aquele pobre náufrago estava ali isolado há algum tempo. Era hora de agir.


Logo, comunicou à tripulação sobre a nova missão que apareceu em seu caminho. A tripulação tentou fazer o capitão mudar da ideia. Afinal, eles estavam transportando passageiros que pagaram para seguir um itinerário turístico. Era melhor simplesmente avisar a guarda costeira e eles lidariam com o problema. Parecia que eles não se lembravam que um dos mais lendários membros da guarda costeira caribenha estava justamente ali na sua frente.


Tudo bem, disse o capitão. Ele entendia que tinha um compromisso com os passageiros. Por isso, preparou uma reunião de emergência em que todos no navio se reuniram no deck principal. Em um discurso apaixonado, o capitão mostrou a todos a necessidade de mudar a rota por uma causa maior. Ou então, teriam que deixar o pobre homem ao relento, talvez por mais alguns dias, à espera da guarda costeira.


A reação não poderia ser mais animadora. Os passageiros entenderam de forma praticamente unânime o pequeno sacrifício que a situação exigia. Era realmente hora de fazer um desvio de rota e logo, o navio virou para bombordo. Pelas poderosas lentes da sua luneta, o capitão viu a reação animada do náufrago que começou a balançar os braços imediatamente para chamar atenção do navio. Devia estar desesperado. Quantos navios haviam passado por perto sem perceber alguém que precisava ser salvo por ali?


Em pouco tempo chegaram mais perto da ilha. Eram águas traiçoeiras com pedras escondidas por todos os lados, o capitão logo percebeu. Não era surpresa ter acontecido algum acidente naquele lugar. Mas para não acontecer outro acidente, o mais prudente seria descer com um bote de resgate ao invés de chegar à ilha com o enorme transatlântico.


O próprio capitão estava no bote de resgate e viu que o náufrago continuava gesticulando furiosamente, mesmo com eles chegando cada vez mais próximos. Pobre homem, devia estar realmente desesperado. Finalmente, desembarcaram na ilha e todos se surpreenderam com a história que ouviram.


Aquele homem estava na ilha fazia mais de um ano, após um acidente em uma pequena expedição aventureira entre pessoas da elite do mundo dos negócios. Ele mesmo tinha aprendido a pilotar seu barco e naufragou sozinho naquelas águas. O capitão se apresentou como ex-tripulante da guarda costeira e tranquilizou o homem, disse que em breve, ele estaria de volta à sua vida de antes.


Então, o náufrago deixou claro que o capitão não tinha entendido a situação. Na verdade, ele nunca estivera tão saudável fisicamente e mentalmente. A vida na ilha era tudo o que ele precisava, estava se alimentando melhor, não tinha mais nenhum sintoma de estresse. Seu cabelo até tinha voltado a crescer.


O capitão então perguntou sobre todos os gestos para chamar atenção, logo que o navio mudou de direção. O náufrago então deu um leve sorriso e disse que o capitão ainda tinha muito da guarda costeira nele. Na verdade, os movimentos desesperados com o braço foram justamente para o navio seguir seu curso. Em vez de ir até aquela ilha resgatar alguém que já tinha sido resgatado pela própria ilha.

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